terça-feira, 31 de julho de 2018


Tua ilegibilidade se tornou dunas
nas minhas mãos: jogos de espelhos, narrativas encaixadas
e um engulho nas madrugadas turvas.
Viver é dócil e assombroso ao seu lado.
Todavia, me descubro menino e ancião cansado
quando falas e vibras tuas mãos no quarto amplo demais.
Mas quando te vi perdida
me reconheci sórdido como um vilão de Alexandre Dumas.
Não te peço nada, só o perdão
pelo sacrilégio de existir num mundo que nos desconhece.
O amor não é palavra que se soletra impunemente.
Penitencio-me por ousar descobrir todos os seus sinônimos
no meu velho dicionário de impropérios.
Amo-te como um crápula, como um cervo ferido
na Floresta Negra,
como um traficante da armas na Abissínia, como um anjo.
Amo-te e quero te possuir mais a alma que o corpo.
O corpo é doido e não raro nos desengana.
Viver é dócil e assombroso ao seu lado, eu já disse.
E é este assombro que me alimenta,
hoje, às três horas
da tarde de uma quinta-feira de um mundo sem sentido.

Otto Leopoldo Winck

Ser autêntico exige um alto preço


Ser autêntico exige um alto preço -- preço que pouquíssimos estão dispostos a pagar. Você pode ser linchado pela opinião pública (como Zola no caso Dreyfus), você pode ser vítima de atentado (como Sartre na Guerra da Argélia), você pode tomar cicuta (como Sócrates), você pode ser crucificado (como Jesus). Ou então você muitas vezes vai ser obrigado a andar sozinho, nadar contra a corrente, dar murro em ponta de faca... Nem todos estão dispostos, na hora do cafezinho, numa reunião familiar, numa festa de amigos, a serem vistos como estranhos, exóticos, excêntricos -- sobretudo quando não há glamour nessa excentricidade. Mas beleza, eu entendo, é mais seguro andar na mesma direção do rebanho. Só não se queixe se você for classificado naquela categoria que Fernando Pessoa chamou de "besta sadia", "cadáver adiado que procria"...

Otto Leopoldo Winck